Helena Arcoverde

O espaço em Relato de um Certo Oriente

Posted in Artigos by helenarcoverde on 29/10/2010

Por Helena Arcoverde
[…] Em Relato, o espaço possui fundamental importância para a busca do passado. Na Parisiense, no sobrado, nos pátios e nos ambientes externos esses relatos tornam-se mais precisos, mais enriquecidos, acionam lembranças, desafiam a busca de novas informações, indicam as ações dos personagens, seus feitos, posturas, diálogos. Eles são importantes tanto para Dorner, quanto para Hakim e para a própria narradora, que, por meio das transformações do espaço, se dá conta de que esteve ausente por longo período. Neste caso, houve uma intensidade das mudanças dos espaços coletivos e as do espaço familiar, o adormecer do sobrado – “a casa toda parecia dormir” – impõem à personagem um amadurecimento com relação à distancia dela com a cidade, com os grupos com os quais convivia antigamente. Como ela mesma diz, “dialogar com a ausência de tanto tempo” (RCO, 2004, p122).
[…] Para Bachelard, o exterior e o interior formam uma dialética de esquartejamento (BACHELARD, 2000, p. 215). Essa compartamentalização, essa oposição a que alude o autor está presente em RCO e é evidenciada em várias passagens. O popular remete ao exterior, como ocorre na descrição do bairro proibido, “espaço que nos era vedado”, como diz a narradora. O símbolo usado para mostrar a transposição entre esses dois ambientes é a ponte através da qual a narradora passou para o outro lado, para “exorcizar essas quimeras”. (RCO, 2004, p.123) Em outro trecho, Hakim, ao se referir ao fotógrafo, diz: “lembro também de suas exaustivas incursões à floresta, onde ele permanecia semanas e meses, e ao retornar afirmava ser Manaus uma perversão urbana. A cidade e a floresta são dois cenários, duas mentiras separadas pelo rio”. O que se traduz na oposição dos dois termos se torna mais adiante alienação e hostilidade (BACHELARD, 2000, p. 215).
A ponte é usada, ainda, para separar a cidade permitida da proibida. “Atravessei a ponte metálica sobre o igarapé, e penetrei nas ruelas de um bairro desconhecido”, diz a narradora ao andar pela sua cidade, duas décadas depois de sua partida. Ao transpor a ponte, ela afirma que foi preciso “atravessar a ponte e alcançar o espaço que nos era vedado” (RCO, 2004, p. 123). Soraya Ângela simbolizava a ponte, a interação entre a rua e o espaço da casa, já que cabe a essa personagem trazer para dentro de casa uma diversidade de episódios. (RCO, 2004, p.18)
Essa mesma oposição é apresentada através da visão que Hakim tem da floresta, embora não haja referência a um ambiente interno, este é representado pela própria cidade, em oposição à floresta, uma vez que aquela simboliza a casa, o ambiente a que o personagem está habituado a conviver, como se pode observar na fala de Hakim: “Para mim, que nasci e cresci aqui, a natureza sempre foi impenetrável e hostil”. A “muralha” é o símbolo usado pela personagem para representar a divisão entre os dois mundos: sua casa, os cenários em que se sentia seguro e a floresta: sem transpor a muralha verde. Enquanto a narradora usa o símbolo da ponte para representar a transposição entre os dois mundos, Hakim usa o termo muralha para representar a impossibilidade de transpor a floresta, para mostrar o distanciamento consentido entre o mundo conhecido e aquele que simbolizava o desconhecido, o hostil, o medo. Para essa personagem “mas do que o rio, uma impossibilidade que vinha de não sei onde me detinha ao pensar na travessia, na outra margem”. (RCO, 2004, p.123)
A rua é apresentada, em muitas passagens, como a instabilidade, a morte, o espaço “desconhecido”, a ameaça (RCO, 2004, p.123). A morte de Soraya Ângela dá-se na rua e, nessa passagem, surge a casa como o lugar da segurança, como se pode perceber no comentário da própria narradora ao seu irmão: “lá em cima tudo parecia sereno e alheio ao que acontecia lá fora” (RCO, 2004, p.17. Ao passo que a rua foi retratada como o espaço do impacto, da instabilidade e insegurança: “da rua, do portão do Quartel, da praça, das casas vizinhas, vi muitas pessoas correndo na direção do impacto”. (RCO, 2004, p.17)
RCO é, ainda, o espaço representado pelo rio, ora sob a égide da morte, o refúgio final de Emir, irmão de Emilie; ora do grotesco: “os urubus, aos montes, buscavam com avidez as ossadas que apareceram durante a vazante, entre objetos carcomidos que foram enterrados há meses, há séculos”. (RCO, 2004, p. 124). Simboliza, também, o divisor (entre a floresta e a cidade); a referência: “sempre o rio, era o ponto de referência” (RCO, 2004, p. 123).
O rio surge, também, como um divisor entre esses dois espaços. É o espaço também da contemplação e da morte. Emir deixou a cidade para morte, representada pelo rio (RCO, 2004, p.123).
Outra oposição é representada pela própria cidade de Manaus e os outros espaços. Esse contraste é marcado quando Dorner diz que “sair dessa cidade significa sair de um espaço, mas, sobretudo de um tempo”. Deixar a cidade de Manaus, para o fotógrafo era “conviver com outro tempo”. (RCO, 2004, p.82-83). Portanto, o espaço de Manaus é visto pelo fotógrafo como um lugar de isolamento, de exceção e diferenças com relação às outras cidades. Traduz um certo confinamento, um lugar calcado pela peculiaridade, pelo particular.
As áreas externas da casa, incluindo quintal, pátios da casa de Emilie, refúgios de Sâmara Ângela, representam os espaços da liberdade, o contraste entre o ambiente taciturno da casa da matriarca e os espaços em que o lúdico se impunha pela força da criança. Para Bachelard (2000, p. 215), o exterior e o interior possuem a nitidez crucial da dialética do sim e do não que tudo decide.
Tu silenciavas quando ela voltava da fonte com as mãos em cuia despejando água no teu corpo, te atraindo para os mosaicos do pátio, para a fonte, te conduzindo para a pedra marrom e abaulada que fingia dormir um sono secular. (2004, p. 24).
De certa forma, o pátio encarna, para a família, além do sagrado, o profano, uma vez que o espaço dá lugar, além das brincadeiras ingênuas e imaginação criadora de Soraya Ângela e da narradora, aos rituais que remetem à tradição da família. O pátio é apresentado, ainda, como um abrigo, em algumas passagens, aos escolhidos. Por outro lado, também é excludente, é o lugar do confronto. Foi no pátio que Hakim, o eleito de Emilie, comunicou sua partida: “quando lhe comuniquei diante dos outros irmãos a minha decisão de ir embora daqui, ela expressou sua surpresa com uma torrente verbal que só nós dois entendemos…Indefesos, atordoados, quem sabe nos odiando, meus irmãos foram excluídos, banidos do pátio” (2004, p. 103)
Mais adiante, ele diz: ao olhar para a foto, era impossível não ouvir a voz de Emilie e não materializar o seu corpo no centro do pátio (RCO, 2004, p. 103). Nesta passagem a cena se passa “no centro do pátio”. Em várias outras ocorre o mesmo, como nesta em que Hakim observa Soraya Ângela: “De longe, eu a observava algumas vezes, sozinha, no meio do pátio (2004, p. 108). O centro do pátio, assim, é o espaço em que se dão as ações relevantes, em que a emoção, a contemplação e o impasse estão presentes, é o espaço das decisões, do desenrolar de fatos, da vida.
Além de abrigar o profano, o pátio também é um espaço associado ao sagrado, como pode se depreender de sua descrição, associada às imagens de anjos e à água, que simboliza, entre outras coisas, a purificação, o tirar dos pecados. Já a palavra aérea remete ao infinito, à imensidão, ao devaneio: “…diante da fonte, onde fios de água cristalina esguicham da boca dos quatro anjos de pedra, como as arestas líquidas de uma pirâmide invisível, oca e aérea” (RCO, 2004, p. 105).
O pátio também encarna a revelação, uma vez que, além da anunciação feita pelo filho eleito de Emilie, a família, com exceção da mãe que já a conhecia, viu, no pátio, pela primeira vez, a pequena Soraya Ângela, como narra Hakim em seu relato: “E, numa manhã, lembro que fui o primeiro a ver a criança engatinhando no pátio, perplexa, pálida, tateando um espaço desconhecido, estranhando a paisagem, os ângulos e o contorno da fonte, e abismada com a presença de tantos animais” (RCO, 2004, p.106-107).
Nesse aspecto, o pátio também simboliza, como ocorre em outros âmbitos da narrativa, o contraste: entre a revelação (o renascimento) e o aprisionamento. Essa personagem, mesmo quando explora o pátio, simboliza essa oposição entre a liberdade e a clausura. Portanto, nos espaços em que ela se move esse contraste está presente. Os anjos, o sagrado, são de pedra, tão aprisionados quanto Soraya Ângela, sequestrada, como relata Hakim, do pátio para o quarto todos os dias. Com uma das quatro esculturas a menina mantinha uma relação unilateral, de admiração e contemplação. O anjo, como Soraya, é aprisionado em seus próprios corpos: um não pode sair do pátio, o outro não pode viver no pátio. Os dois estavam fadados ao silêncio.
O pátio, portanto, é um espaço privilegiado, onde se dão os desfechos, as dores, as festas, a exclusão, os rituais; lembrado como palco em que ocorrem ações importantes; o lúdico; local associado a decisões que marcam a história de vida dos personagens. É associado, ainda, à morte, como se observa nesse trecho em que Hindié conta à narradora o prenúncio da morte de Emilie: “Ela entrou pelo portão lateral e, antes de chegar no pátio dos fundos, teve um pressentimento funesto: “Os animais, filha, nem se mexeram quando entrei no pátio. Parecia que todos os olhos eram um só, unidos por uma melancolia atroz”. (RCO, 2004, p. 138).
O pátio está atrelado, também, ao aprisionamento vivido pela narradora na clínica em que está internada. Esse espaço, então, está simbolizado pelo lugar da exclusão, do confinamento, do isolamento, do castigo aos que andam em direção oposta ao que está posto, estabelecido. Aqui, o pátio adquire ressignificados que se aliam à tristeza, distante, portanto, das curiosidades de Soraya Ângela, do poderio de Emilie, das festividades, dos embates. Em uma conversa com seu interlocutor, a narradora se refere a esse espaço como uma clausura, um convívio com o isolamento e a loucura, embora esses sentimentos parecessem familiares: “passava algum tempo a olhar o panorama da metrópole e o pátio da casa transformado em “clínica de repouso” , onde havia bancos de cimento, caminhos de grama e árvores.” (RCO, 2004, p. 160).
Entretanto, o pátio, da clínica, não representa somente a clausura, mas também a liberdade, o diálogo, quando é comparado ao quarto, como se pode observar no trecho em que a narradora relata ao sei interlocutor essa passagem de sua vida: “O tempo que permaneci na clínica, ora procurava o pátio para ficar com as outras, ora me confinava no quarto, cuja janela se abria para dois mundos”. (RCO, 2004, p. 162).
Cimento e grama; liberdade e clausura; ferro e árvore marcam a oposição presente na descrição do espaço da clínica, feita pela narradora. É como se polos opostos fossem marcos não somente daquele lugar, mas alusões ao vivido pela personagem: […]com seus caminhos de grama e pedra que circundavam as árvores e terminavam nos portões de ferro”. (RCO, 2004, p. 161). […]onde havia bancos de cimento, caminhos de grama e árvores. (RCO, 2004, p. 161).
O contraste marca, ainda, o relato de Hakim ao se referir ao relacionamento entre Emilie e os irmãos: “eram pérolas que flutuavam entre o céu e a terra, sempre visíveis ou reluzentes aos seus olhos, e ao alcance de suas mãos” (RCO, 2004, p. 87).
O quarto é um espaço que surge como o lugar do segredo, da clausura, dos mistérios, do indevassável, do proibido. Ocorre assim com o quarto cheio de segredos e símbolos de Emilie, com o quarto em que Soraya Ângela se desenvolveu no útero da mãe, constituindo-se em um espaço do proibido. É nesse espaço que nasce Soraya Ângela, em meio à indiferença dos moradores da casa. Esse espaço da clausura perdurou até mesmo quando os familiares se acostumaram à presença de Soraya Ângela, como se pode observar na passagem abaixo, em que Hakim se refere às restrições impostas por Sâmara Delia, a mãe, à presença da filha na casa, quando ficou evidente a mudez da criança: “Ela proibia o contato da filha com as outras crianças e com as visitas da casa, e restringia o seu espaço vital aos fundos da casa e ao quarto” (RCO , 2004, p. 108).
Novamente, o quarto surge como um espaço do aprisionamento, em contraste com o ambiente externo, como se pode observar na descrição feita pela narradora ao irmão: “antes do fim da tarde saía do quarto para observar as mulheres que vinham reverenciar o crepúsculo ou buscar uma trégua ao desamparo e à solidão” (RCO, 2004, p. 160).
Hakim, em sua visita ao quarto materno, com o propósito de desvendar os mistérios ali existentes, se depara com um armário fechado, diferente dos móveis a que estava habituado:
Lembro-me muito bem que fiquei encabulado e fascinado diante de tantos objetos ausentes nos aposentos da Parisiense; mas a vexação e o desvario quase sempre tomam conta de alguém que se depara com a intimidade do outro (2004, p. 53-54).
[…] Apesar de representar uma personagem ligada ao silêncio, cabe a Soraya Ângela a função de alterar os espaços em que vive. Ela dá vida ao pátio; valoriza, com seu olhar e curiosidade, o velho relógio; traz a rua para dentro da “casa de Emilie” com o uso de uma linguagem própria que alertava à família a questão da diversidade. De certa forma, ela subverte esses espaços com sua presença: a presença indesejada que evidenciava “a transgressão da mãe, o pecado e o castigo”, à clausura do quarto, uma espécie de exílio involuntário, imposto aos pecadores. A personagem impõe o ambiente externo ao interno: “Soraya trazia para dentro de casa uma diversidade de episódios: caricaturas de pessoas esdrúxulas, primeiro os irmãos gêmeos a narrar uma história sem fim ao cachorro, sempre na mesma hora da manhã […]. (RCO, 2004, p.18)
Cabe a ela alterar também o ambiente externo da casa, as saúvas e tudo o que despertasse o seu interesse: Soraya se divertia ao desafia-las com os
O espaço representa, também, a contradição entre a morte e a vida, uma vez que Emilie dá vida aos espaços; quando morre, a casa fica inerte, desabitada, fechada; o pátio das festividades e das explorações de Soraya Ângela em oposição ao pátio em que “o limo logo cobrirá a ardósia” (RCO, 2004, p.155). É o espaço dinâmico, em contraste com aquele emoldurado, mostrando ”a metade da árvore e uma parte da casa: o plano fechado da fachada sem sombras, sob o sol que divide o dia. “(RCO, 2004, p.155). Essa oposição está também nos espaços urbanos permitidos e proibidos; na água (no rio da morte, no rio que separa a cidade da floresta) e na terra (floresta, cidade); na casa nova e na casa velha (a Parisiense).
Essa alusão a um espaço emoldurado está presente em outra passagem, quando a narradora relata o seu passeio nas “ruelas de um bairro desconhecido” (RCO, 2004, p.122): “os rostos recortados no vão das janelas, como se estivessem no limite do interior com o exterior, e que esse limite ( a moldura empenada e sem cor), nada significasse aos rostos que fitavam o vago, alheios ao curso das horas e ao transeunte que procurava observar tudo, sem cautela e rigor” (RCO, 2004, p.122). Assim, nesse aspecto, o espaço está associado a uma paisagem emoldurada, presa dentro de limites impostos aos homens em determinados momentos, como ocorre com a personagem Hindié diante da presença da indesejada das gentes (BANDEIRA, 1993).
O espaço em RCO também remete às diferenças sociais e econômicas: Nesse caso, o espaço aprisionado na moldura simboliza a clausura e desolamento a que são submetidos alguns segmentos da população de menor poder aquisitivo, notadamente aqueles vitimas de uma situação social de pobreza e ausência de escolhas. Neste aspecto, o espaço em RCO evidencia aspectos tanto sócioeconômicos quanto culturais distintos. Isso fica evidente através da seguinte passagem: “[…] sentia um pouco de temor e de estranheza, e embora um abismo me separasse daquele mundo, a estranheza era mútua, assim como a ameaça e o medo (RCO, 2004, p. 123).
O espaço, em RCO, também é associado ao excêntrico, ao não convencional, ao regional. “Um cheiro acre e muito forte surgiu com as cores espalhafatosas das fachadas de madeira, […] “. Nos trechos em que surgem os personagens Lobato e sua sobrinha, as descrições são marcadas pela exuberância e plasticidade: “num recanto próximo ao casebre, um círculo de pontos luminosos brotava do breu da noite e aclarava garrafas de cachaça e galinhas mortas entre montículos de medalhas profanas. Esses atributos infames, […] eram lancetadas dirigidas também contra uma tradição viva, que pulsava no coração dos bairros da periferia , no interior de habitações suspensas, açoitadas pela chuva” (RCO, p. 96, 2004). Portanto, o espaço, nessa obra, também está atrelado ao místico, às manifestações da cultura popular e ao não convencional, simbolizam aquilo que não é aceito por determinada classe social, mas que é parte da raiz de um povo, de sua maneira de ser e de ver a realidade. Nesse sentido, se poderia dizer que esse romance apresenta espaços carnavalizados, na acepção bakhtiniana, uma vez que fogem do tradicional, que transgridem o convencional, como se pode observar no relato de Hakim: “ uma palafita pintada de rosa e verde, cercada por latas de querosene entulhadas de tajás, açucenas e flores do mato” (RCO, 2004, p. 46). Em outro trecho, Hakim se refere à decoração da sala como “um cenário colorido e cambiante como um caleidoscópio”. Mais adiante, esse personagem, ainda se referindo à decoração da sala, afirma que os objetos coloridos lembravam os preparativos carnavalescos. (RCO, 2004, p. 38).
Outro aspecto marcante no espaço de RCO é a cidade, vista como um divisor de mundos. O urbano se divide entre o proibido e o permitido; entre aquilo culturalmente aceito e o não convencional, mítico, exótico; entre o conhecido e o desconhecido: “penetrei nas ruelas de um bairro desconhecido” (RCO, 2004, p. 23), “nomeando cidades estranhas com nomes estranhos” (RCO, 2004, p. 123), “revelava a imagem do horror de uma cidade que hoje desconheço” (RCO, 2004, p. 124) ; entre a cidade vista de perto e de longe: “uma cidade não é a mesma cidade, se vista de longe, da água […]”
Assim, o espaço nessa obra é revisitado de diferentes maneiras, trazendo à tona as recordações, expondo emoções, corroborando os testemunhos, garantindo o artístico e o literário, sendo um agente indicador das transformações, dos dramas e contrastes. O espaço em RCO é, antes de tudo, o dinâmico, em que se dá a transformação, o limiar entre o ontem e o hoje, entre a ação e a reação, entre a inércia e a transformação, entre o possível e o irremediável.
Referências
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro Editora, 2006.
HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

A ciência anda reclusa

Posted in Opinião by helenarcoverde on 25/10/2010

As pesquisas no Brasil estão muito atreladas à academia. Elas precisam ser fomentadas também no mundo organizacional e o mais independente possível dos órgãos reguladores. A própria empresa se encarregaria de seus controles de qualidade. Esse excesso de normas por um lado é compreensível, mas por outro emperra o surgimento de avanços. Não se trata de defender o uso de técnicas experimentais distantes da legislação do país, mas em ressaltar a importância de se fazer essas investigações em projetos gerenciados pela própria empresa. Se precisar alguém de fora, por que não? O diploma não tem convalidação no Brasil? Convida assim mesmo. Nem sempre aumento no percentual de teses e dissertações é indicativo de progresso ou desenvolvimento científico, passa perto, mas não evidencia superavanços e muito menos emancipação científica do país. Não é só isso. A ciência e sua aplicação passam por critérios rigorosos mas estes também podem nortear produções fora da academia, sem a tutela de nenhum órgão regulador. Vai saber quando isso acontecerá, amplamente, aqui. Pelo visto, vai demorar. A pesquisa precisa pular a cerca, desculpe, os muros da academia. Por enquanto, existem só projetos isolados. O casamento entre a academia, a prática e a ciência, sob os auspícios de órgãos reguladores (a própria universidade, a capes, por exemplo), às vezes dá certo. É o caso de alguns hospitais universitários. Mas, esse êxito é raro, como na maioria dos casamentos.

O outro, o meio ambiente e as campanhas educativas

Posted in Opinião by helenarcoverde on 23/10/2010

Provavelmente, percentuais consideráveis de campanhas de conscientização sobre a preservação do meio ambiente não atingem a expectativa desejada. Deveriam desencadear, fundamentalmente, a preocupação com o outro. É pouco provável o sucesso de uma campanha que não suscite isso. Os saberes, os códigos, as culturas, as memórias estão imbricadas. Encontramo-nos no outro, dele fazemos parte. Buscamos nele nossas lembranças.
Vale a pena lembrar a frase primorosa do teórico Maurice Halbwachs, quando assegura que a memória é coletiva. “Suponhamos que eu passeie sozinho, porém, apenas em aparência passeei sozinho. A primeira vez que estive em Londres, muitas impressões me faziam lembrar os romances de Dickens: eu passeei com Dickens”. (HALBWACHS, 2006, p. 29-30).
Muitos não reconhecem nos passos do outro o seu próprio. Não existe caminhada isolada, só na chegada e na partida. O resto da história é conhecido, se é que ele existe.
Que ímpeto se tem ao ver uma rosa? Geralmente arranca-la, leva-la às narinas. É o cheiro da morte. Negamos a ela, “em proveito próprio”, o direito de viver, de ser viçosa, de se movimentar ao vento. O desejo mórbido é vê-la inerte dentro do jarro. É o que fazemos com o Planeta. Só nos importamos com ele se isso se converter em beneficio para nós, como o de impedir que corramos perigo com sua devastação.
É imperiosa uma reflexão sobre os valores humanos, sobre o individualismo exagerado que assola o contexto em que vivemos. Mais filosofia sem cara de Educação Moral e Cívica. Mais repensar sobre o estabelecido, sobre o empobrecimento de nossa vida sem o outro.
“Amar ao próximo como a si mesmo” nunca esteve tão distante. Aliás, esse pressuposto é para poucos que, atônitos, enxergam cada vez menos luz no fim do túnel.