Helena Arcoverde

A extensão

Posted in Conto by helenarcoverde on 30/07/2014

Por Helena Arcoverde

O corpo mergulhava na água amarronzada e os olhos fechavam ante a insistência dos raios. Ao longe a água se mesclava a cores indistintas. O nariz tampado com a mão esquerda, Selma imergia novamente. O cabelo, grudado ao corpo, encompridava, puxando o corpo para nova imersão. A mulher dava pulinhos em todas as direções na areia irrequieta e do corpo saltavam tiras de águas que se confundiam com a imensidão barrenta.

Deu um lento giro como a aproveitar melhor aquele alargar de visão e, sem um motivo plausível sentiu uma extensão de si, intrusa e inoportuna. Parou o movimento e aquietou completamente o corpo, como a assuntar tudo que a arrodeava. Impressão, pensou. Saiu rapidamente da água e caminhou  para junto dos outros. A sensação de companhia não cessara e ela resolveu juntar-se aos demais amigos dentro do restaurante. Talvez houvesse ficado em demasiado exposta ao sol, pensara ela.

Os amigos logo a distraíram e, por alguns minutos, esquecera-se do ocorrido. Após algumas horas foi embora e pelo resto do dia não pensou sequer uma vez no episódio que ela atribuíra somente ao excesso de sol. Dormiu ainda com dia claro e acordou de madrugada.

Desorientada, olhou o relógio ao lado e recostou-se no encosto da cama. A sensação de companhia aquela hora aterrorizou-a e ela cobriu o resto com as mãos como a espantar essa intromissão. A sensação é de que ela se reproduzia, sem o querer, estendendo a si própria com elementos que não a pertenciam. Afrouxou as mãos vagarosamente e levantou-se. A luz ofuscara sua visão, só poderia ser isso, pensava ela.

Ficou bastante tempo na cozinha, alerta. Notara que esse estado de atenção desvanecia o pavor de ter mais alguém dentro de si, afugentava essa intervenção que ela não saberia explicar. Amanheceu ali, vencida novamente pelo sono, emborcada sobre a mesa, sozinha. Dali em diante procurou abarcar outras atividades e, sempre cansada, o sono vinha fácil. Com visita aos pais marcada há vários meses, viajou para o sítio. Lá, resolvera ir até a casa de uma parenta, a poucos quilômetros dali. Caminhava com mais algumas pessoas. A relva e tudo em volta aumentava a sensação de frescor. Desta feita sentiu-se não somente acompanhada, mas observada.

Para acalmar a si própria tentou encarar a situação com normalidade. Caminhava e entre ela e as pessoas que a acompanhavam havia alguém não nomeável, impalpável, uma extensão ou a iminência da loucura, seja o que fosse levava seus dias. Quase perto de chegarem, sentiu certo alívio, como se a presença houvesse se afastado um pouco.

Dentro da casa, alcançou a cadeira e sentou-se em frente aos donos da casa. Conversavam e Selma começou a ver um vulto entre ela e as outras pessoas. A impressão é que ele zombava do embaraçamento dela. Depois o intruso levantou-se e começou a caminhar, impaciente, pela sala. A estatura e o contorno do corpo eram similares aos de Selma. Como o intruso estava sempre entre ela, os objetos e as pessoas, não conseguia enxergar com mais precisão os interlocutores.

Em dado momento, ao levantar-se, o intruso ocupara sua cadeira. Fez de conta que não percebeu e sentou-se. Funcionou, pensara ela. Assim ficou até que um dos presentes a advertiu de que a cadeira poderia derrubá-la já que ela sem o perceber sentara-se somente de um lado do assento. Selma levantou-se rápido e disfarçou com um sorriso.

Após o episódio, Selma antecipou-se aos que a acompanhavam e quis ir embora sozinha. Faria mais uma tentativa de livrar-se desse constrangimento. As pisadas eram fortes e decididas. Quando calculou que ninguém poderia visualizá-la, parou, rispidamente. Olhava para os lados, decidida a findar tudo que a atormentara. Ficara ali por minutos até que  a espera terminou. Circulava em volta de si mesma, esmurrando o ar até que caiu, vencida pelos seus próprios punhos e rodopios. Olhou em volta, ofegante. Pôde sentir que o opressor zombava de sua derrocada. Ficou, ofegante.  Os punhos, frouxos, alongaram os dedos na direção do chão. O rosto, ausente, as pálpebras abaixadas, mostravam pouco dos olhos. Passos conformados rumaram em direção a casa.

 

 

 

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Sal grosso no gramado

Posted in Crônica by helenarcoverde on 11/07/2014

Dizem que andaram jogando sal grosso no gramado do Mineirão pouco antes do jogo Brasil e Alemanha. Mas, pelo visto “o tiro saiu pela culatra”. Nada tão incomum. Eu, que vivo correndo de feitiçaria, prefiro não palpitar, pois, nesse assunto de macumba nos estádios, prefiro o conselho sempre atual de João Saldanha quando dizia que “se macumba ganhasse jogo, campeonato baiano terminaria empatado”. Valei-me São Miguel Arcanjo que o diabo ta solto!

A visita

Posted in Conto by helenarcoverde on 06/07/2014

flor rosa3editada

Por Helena Arcoverde

Mais obrigação do que prazer. Assim era aquela visita. Mesmo a contragosto lá se foi Belilo visitar a velha amiga – Gertrudes, doente há algumas semanas. Já com certa idade, sempre que havia algum amigo doente já ficava receoso ante a iminência de algum mal. A sala, arejada e formal, era agraciada com um jardim retangular, envolvido por outros compartimentos, entre eles o quarto da amiga doente. Um corredor se interpunha entre o jardim e os outros cômodos. Amplas janelas de vidro se aproveitavam da área verde e colorida. Convidado a se acomodar, logo seus olhos deram com o jardim que, embora já conhecido de longa data, causava em Belilo sempre uma sensação de harmonia.

Do ponto em que estava avistou algumas pessoas conversando no jardim. Imaginou serem visitantes já que sua amiga era uma pessoa quista e ainda atuante em termos profissionais. A amiga, dissera-lhe a irmã dela, estava tomando alguns remédios e logo ele poderia ter com ela. Já que ele era íntimo na casa, deixaram-no à vontade na sala. Uma funcionária veio depois deixar-lhe uma xícara de café posta cortesmente na mesinha ao lado. Belilo alcançou algumas revistas e folheou-as displicentemente, não encontrando de imediato nenhum assunto do seu interesse.

Dirigiu-se, então, à biblioteca contígua à sala em que estava e começou a olhar um ou outro título sem se deter em nenhum. Mais adiante fez o mesmo com uma estante destinada somente a periódicos. Puxou um velho jornal levemente desalinhado com relação aos outros, o que dava a impressão que alguém tinha manifestado algum interesse por ele recentemente. Isso o instigou a abri-lo. Folheou-o e observou uma notícia que verificou referir-se aos pais da amiga. Na fotografia, que ele se deteve nitidamente, estavam um senhor com a esposa e um primo desta, os três nomes associados a um evento importante na cidade que era a mesma da família da doente. Fechou-o devolvendo-o ao pequeno espaço que ele alargara para não mudar a publicação de lugar.

Voltou novamente para a sala, iniciando uma conversa com a irmã da amiga, que viera para lhe fazer companhia. Conversaram sobre o estado de saúde da amiga e as notícias não eram muito animadoras. Entristecido, voltou o olhar novamente para o jardim, ocasião em que se lembrou de perguntar a anfitriã quem eram as outras visitas, ao que ela respondeu que naquele dia só ele estivera ali. A mulher quis saber o porquê da pergunta e ele dissimulou a estranheza  afirmando que era apenas curiosidade para saber se encontraria ali algum conhecido.

Após a amiga ter recebido os cuidados adequados, ele foi convidado a entrar no quarto em que ela se encontrava. Ao adentrar estacou o que fez com que ela brincasse afirmando que ele não tivesse temor porque a doença não era contagiosa e, ademais, disse a doente, ela estava vestida. Sem achar graça na piada, entrou dividindo o olhar entre a amiga e as pessoas que a ladeavam, entre elas dois dos fotografados, provavelmente o pai e a mãe.

Aproximou-se para cumprimentar a amiga e, tendo relutado, o visitante inusitado assentiu com a cabeça que ele continuasse. A amiga e a irmã atribuíram seu estado à preocupação com a enferma e procuraram animá-lo. Sentou-se e procurou deixar de lado os visitantes, o que não foi possível quando observou que a mulher deitara-se do lado da amiga. Ele fechou e abriu novamente os olhos para afastar aquela visão assustadora, mas ela persistiu. A amiga conversava animada com sua presença e ele não conseguia se desfazer da terrível sensação de estranheza ante aquela situação.

Minutos depois Belilo embora. Despediu-se da amiga segurando-lhe suavemente a mão. Certamente demoraria a voltar ali e nem ao funeral iria. Antes de sair totalmente do dormitório olhou para trás e agora via os dois deitados ladeando a doente. Já lá fora, pensou que aquilo tudo seria um prenúncio não muito alvissareiro e isso aumentou suas preocupações com a velha amiga e até mesmo consigo.

Dias depois soube que a amiga melhorara. Após  inúmeros convites, ele aceitou lá voltar. Não teria mais desculpas para se manter afastado da casa. A refeição seria informal e oferecida na área que ele tanto se deleitava toda vez que a visitava: o jardim. Após recebê-lo na sala, ele fora convidado a ir ao jardim.

Assim o fizeram. Atravessaram o corredor e, por meio de uma das três entradas que davam acesso a essa área, vislumbrou ao longe algumas mesas contendo comida e bebida. Alguns arranjos de flores as enfeitavam. Sentados próximos a um canteiro, os dois visitantes ali estavam, um deles com expressão que variava entre a ironia e as boas vindas acenou-lhe.

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Fotog infância

Posted in Fotografia by helenarcoverde on 03/07/2014

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Helena, cerca 2 anos. Imagem reproduzida de uma fotocópia.