Helena Arcoverde

doorframe

Posted in Conto by helenarcoverde on 12/05/2017

by helena sobral arcoverde

Posted in conto by helenarcoverde on 25/10/2013

The doorframe was in shambles. Sinuous and darkened lines overlaid the reddish paint that insisted on dominating the surface.  Small ramifications permeated the small gap created by time between the wall and the frame. That is where the man sat in the wee hours of the morning and at dusk. He preferred the chair on the sidewalk, as before, but if he put it there, there would be no other. Besides, as time went by, the neighbors started looking at the scene in a slightly unfriendly way, which only reinforced his habit of sitting on the doorsill.

He squeezed against the wall not to obstruct the passage of the other residents. When there were too many people at home, he leaned against the side wall of the house on the corner. Willingly or not, he frequently glanced at the doorframe. The sand brought by shoes blended in with the most darkened parts. The wind erased those vestiges, levelingwhat was left. For a few seconds, dignity would find its way back. The grains, almost uniform, hid the degradation as they formed a fine layer, glimmering when hit by the light. But soon the steps would again undo what the wind had attempted to remedy. He was caughtup in this process, when a hand on his shoulder brought him back to reason. It was one of the neighbors. For a while he had forgotten all about the doorframe.

On the next day, in the wee hours of the morning, there he was again. Everybody had gone to work; he could occupythe whole entrance. He had sat and dropped his hands allowing them to rest in the space that was left on the sides. He looked at himself abandoned under the old doorframe.Only then did he notice the other cracks that revealed bricks once submerged under the thick cement layer. He quickly removed his hand from the surface. He stared at the deterioration for a long time. Then, he looked at his arms, still raised. They were wrinkled, dirty, enfeebled at the slightest touch.He got up, frightened. The sound of steps coming from inside the house forced him to get a hold of himself. The resident didn’t seem to notice his presence. Nevertheless, he waved. Responses didn’t matter at all.

Tired from the weight of thegroceries, the neighbor had put the bags on the doorsill. In the meantime, she exchanged a few words with him, who was now leaning against the wall. He was tired. The bags were raised and wet spots were added to the existing ones. The doorframe, temporarily useless, seemed even more dilapidated. He decided to go inside. He would no longer leave his room at dusk. From inside he heard the sound of tools and thought it was a good thing he had not gone out. One more neighbor had decided to fix the house.

At the first sunrays, he did not even wait for the strong smell of coffee and walked toward the sidewalk for the usual struggle. When he got near the entrance, he noticed it was covered by boards. He stopped, as if trying to guess the meaning of that scene. He had not recoveredfrom the shock, when he heard the voice of the woman warning him that the cement was not dry yet.

He looked farther away and saw, almost on the curb, broken bricks, sand leftovers, and pieces of stiff cement. With this one you need to be more careful; don’t you go being sloppy with this one as you did with the other, said the woman. In his final days, he kept to the miniscule backyard, a rectangle between his room and the rest of the building. Without a chair, or the doorframe, there he stayed, every morning, until hegave up struggling with himself. He never left his room again. Every day, the renewed sunbeams stroke him. Then slowly, they would leave. He, like the other residents, forgot that they still pulsated.

Silence overwhelmedthe sunbeams. He would dreamforever. In his dream, everybody was sitting on the sidewalk. The doorframe, renewed, had been covered with a reddish powder mixed into the cement. Glossy, it delighted everyone who went by. For a few hours during the day it enjoyed the company of a printed rug, which spread its fringes in an attempt to protect all of it. Sitting near it, on the sidewalk, the woman stroked it shyly. The little ones got closer to the father, gently. Everybody’s mouths moved, and his, happily, did the same. He was happy.

ARCOVERDE, Helena Sobral. Doorframe. In: blog Helena Arcoverde. Translation: SCHLEMM, Martha. Curitiba, 2013.

 

O batente

O batente ruía. Linhas sinuosas escurecidas se sobrepunham à tinta avermelhada que persistia em reinar na superfície. Pequenas ramificações se imiscuíam no pequeno vão cedido pelo tempo entre a parede e o batente. Ali o homem sentava-se nas primeiras horas da manhã e ao entardecer. Preferia a cadeirna calçada, como antes, mas se a pusesse, não haveria mais nenhuma outra. Além disso, com o tempo, os vizinhos passaram a lançar olhadelas pouco amistosas para a cena, o que fortalecera o hábito de sentar-se no batente.

Espremia-se contra a parede para não impedir a passagem dos outros moradores. Quando havia muita gente em casa, recostava-se à parede lateral da casa de esquina. Quisesse ou não, olhava reiteradas vezes o  batente. A areia trazida pelos calçados misturava-se aos trechos mais escurecidos. O vento desfazia esses vestígios, aplainando os resíduos. Por segundos a dignidade voltara. Os grãos, quase uniformes, escondiam a degradação ao formarem uma fina camada, reluzentes quando a luz incidia. Mas logo as passadas voltavam a desfazer o que o sopro remediara. Detinha-se nesse processo, quando uma mão no ombro o devolvera à razão. Era um dos vizinhos. Momentaneamente, esquecera o batente.

Dia seguinte, às primeiras horas do dia, lá estava novamente. Todos foram trabalhar, poderia esparramar-se na entrada. Sentara-se e derreara as mãos deixando-as descansarem no espaço que sobrara nas laterais. Olhou para si próprio abandonado sobre o velho batente. Só então, observou a presença de outras rachaduras que deixavam a mostra os tijolos submersos anteriormente na grossa camada de cimento. Rapidamente retirou a mão da superfície. Apreciou detidamente a deterioração. Depois, olhou seus braços, ainda levantados. Estavam enrugados, encardidos, esmaecíveis ante qualquer encosto. Levantou-se, temeroso. Pisadas vindas do interior da casa o obrigaram a recobrar-se. O morador parecia não perceber sua presença. Mesmo assim, ele acenou. As respostas não tinham nenhuma importância.

Cansada do peso das compras, a vizinha descansara as sacolas no batente. Enquanto isso, trocara palavras com ele, que agora recostara o corpo  à parede. Estava cansado. As sacolas foram erguidas e manchas úmidas se somaram às já existentes. O batente, momentaneamente inservível, parecia ainda mais alquebrado. Resolvera entrar. Não sairia mais do quarto nem ao entardecer. Lá dentro ouvira ruídos de ferramentas e pensara que fizera bem em não ter saído. Mais um vizinho resolvera remendar a casa.

Aos primeiros raios de sol nem esperou o cheiro forte do café, dirigiu-se à calçada para o costumeiro duelar. Ao aproximar-se da entrada percebeu-a coberta por tapumes. Parou, como a tentar atinar  o significado daquela cena. Ainda não se refizera do susto quando ouvira a voz da mulher alertando-o de que o cimento ainda não secara.

Alçou  o olhar mais  adiante e viu, quase no meio-fio, restos de tijolos, resíduos de areia e pedaços de cimento endurecidos. Com esse é preciso mais cuidado não vá se folgar com esse como fez com o outro, dizia a mulher. Nos dias que lhe restaram limitou-se ao minúsculo quintal, um retângulo entre o seu quarto e o restante da construção. Sem cadeira e nem batente, permaneceu ali todas as manhãs até desistir de duelar consigo mesmo. Não saíra mais do quarto. A cada dia as réstias renovadas de sol lambiam-no. Depois, lentamente, elas se iam. E ele próprio, como os demais moradores, esquecia que ainda pulsava.

O silêncio suplantara as réstias. Sonharia para sempre. Nele, todos estavam sentados na calçada. O batente, viçoso fora coberto com um pó vermelho misturado ao cimento. Lustroso, ele encantava a todos que por ali passavam. Durante algumas horas do dia tinha a companhia de um tapete estampado, que derreava suas franjas no afã de protegê-lo por inteiro. Sentados próximos a ele, na calçada, a mulher o acariciava timidamente. Os pequenos se chegavam ao pai, afáveis. As bocas todas se movimentavam e a dele, contente, fazia o mesmo. Era feliz.

 

 

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orvalho

Posted in Conto, Uncategorized by helenarcoverde on 31/05/2016

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crédito texto Helena Arcoverde

Nem sempre me soara afável morar ali. Parecia ter chuva demais descendo e mais ainda escorrendo sobre a terra. Com os dias, comecei a apreciar o que me cercava. As flores descambadas nas cercanias das águas que corriam intermitentes sobre os pedregulhos. As borboletas em fuga. Os códigos  das ruas. O mercado sempre vazio. A mochila de compras dificultando o registro do que havia no caminho. A chuva apressada para se juntar ao riachinho. Os casarões e casebres. O odioso binóculo da vizinha. Agora, teria que deixar todas essas miudezas. Não sem antes ter saudade dos respingos nas flores que beiravam os córregos, da camada pouco espessa de asfalto, do mercado sempre disponível, das pipas que peneiravam o ar até o anoitecer. Havia quem passasse a vida toda em uma só casa. De lá sair, sem consentimento. E eu me desfaria mais uma vez dos meus cantos. De onde estiver sentirei falta das flores sem nome, companheiras silenciosas sem as quais vai ser difícil acordar feliz.

Posted in Conto by helenarcoverde on 28/05/2016

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crédito imagem: Albert Nane

crédito texto: Helena Arcoverde

O salão fervia. Eu sentia uma impetuosidade desconexa. Aquela alegria não era parte minha.  Vinha de fora mas não chegava até a mim. Em fila indiana eu apressara o passo na ânsia de ser um deles. Eu queria a insanidade mas ela só aparecia em dias normais.

as mortes na sala

Posted in Conto by helenarcoverde on 27/05/2016

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crédito imagem: Albert Nane

crédito texto: Helena Arcoverde

Cada um em seu tempo  permaneceu inerte no meio da sala. Pela janela da saída de serviço eu os olhei de banda. Não eram mais eles. Seus corpos jaziam sem poder, sem movimento, sem nenhuma autoridade ou amor. Fingi – como parte da cerimonia, que os zelava, mas não os via. Acho que desde essa época desenvolvi essa técnica de achar pontos cegos.  Não encararia a morte ainda. Lembraria suas alegrias em estarem vivos, em acenarem para os passantes da calçada da qual eram tão próximos, ao finalzinho da tarde. Nunca me arrependeria dessa despedida. Eu os repudiava naquela sala. Repudiava a morte que os levara da casa. A mulher também se esvaia. Eu a perdera. Daquele dia em diante poderia perder qualquer um, pensara na época. Até hoje não lembro de seus sepultamentos. Talvez não tenha nem ido, não sei ao certo. Ou, se fui, fingi observar a areia descendo reta sobre eles, uma rotina para o coveiro. `As vezes temo ter sido ingrata ao negar esse último encontro, mas graças a esse subterfúgio posso lembrar dele tomando suco de maracujá no terraço concedendo um intervalo para a leitura ou dela, comandando seu caos doméstico enquanto se orgulhava em saber a localização de cada objeto. Hoje, seus corpos rijos não mais dão conta da casa e nem do que havia dentro dela. Compulsivamente, se acham em um cortejo do qual nenhum de nós escapa.

Os vultos (excerto)

Posted in Conto, Poesia by helenarcoverde on 04/05/2016

borrado com verm

Crédito (imagem e texto) Helena Arcoverde

Posted by helenarcoverde on 31/10/2009
Os vultos surgem impunes. Eles não falam. Mas são conhecidos. Passeiam entre as velhas ruas de paralelepípedo e calçadas quebradas. […]